Em meio a uma atmosfera de paz e bênção seculares, ergue-se, em Genazzano, na Itália, uma igreja bela e nobre, de proporções harmônicas e distintas, dedicada, desde sua origem, a Nossa Senhora do Bom Conselho.O atual santuário foi erigido sob a orientação do agostiniano Frei Felice Leonceli, de Cave, entre 1621 e 1629, para substituir a velha “igreja da Beata Petruccia”. Segundo esse religioso, a antiga igreja era “muito disforme, mal ordenada e sem iluminação”. Dela conservou-se tão somente o portal quatrocentista.
Posteriormente, em 1840, a fachada, que ameaçava ruir, foi reconstruída pelo Pe. Fanucchi, arquiteto, que teve o bom gosto de adotar o estilo do século XV, para que o conjunto se harmonizasse com o antigo portal. Ricos mosaicos adornam a nova fachada desde 1956.
Em seu interior, na nave lateral esquerda, encontra-se uma pequena capela, especialmente construída para abrigar o afresco milagroso da Mãe do Bom Conselho.
A pintura, aplicada sobre delgada crosta de reboco, de 31 cm de largura por 42,5 cm de altura, retrata Maria Santíssima com inefável e materno afeto, amparando em seus braços o Menino Jesus, ambos encimados por um singelo arco-íris. As cores do afresco são suaves, e finos os traços dos admiráveis semblantes.
“O magnum Mysterium!” ― canta a Igreja no responsório das Matinas de Natal. Deus e Homem, hipostaticamente unidos! Seriedade e doçura, majestade e candura maravilhosamente expressas na fisionomia de uma criança.
Analise-se mais detidamente este quadro do Divino Infante. O nariz sem sinuosidades lembra a suprema retidão dAquele que é o Sol de Justiça. Seus olhos comunicativos, ligeiramente amendoados, de um castanho suave e luminoso, com certo matiz de verde, irradiam paz, ilimitada bondade, infinita sabedoria.
Atrai agradavelmente a vista sua túnica vermelho-ocre, em cuja gola se destacam bordados harmoniosos. Mero ornato? Ou quiçá alguma palavra em idioma desconhecido, alusiva a sua missão?
Num gesto de intenso afeto, transbordante de amor, Ele envolve com a mão direita o nobre e delicado pescoço de sua Mãe, enquanto com a esquerda segura energicamente a parte superior do vestido dEla, como a dizer: “Sois toda minha!” é tão categórico esse comovedor e divino amplexo, que sua vista direita parece levemente desviada da linha normal, pela ênfase com que Ele estreita sua face à de sua Mãe Santíssima.
Sem deixar de exprimir em nada a fisionomia própria de uma criança, o Divino Infante não denota, entretanto, a menor superficialidade, tão característica dessa fase da vida. Pelo contrário, como um oceano de seriedade, transparece nele toda a profundidade e amplitude do entendimento, toda a força de vontade, toda a elevação e nobreza do sentir. E tem a mais alta consciência do que representa sua Mãe, do paraíso interior que ela Lhe oferece.
Jesus Menino contempla, num olhar abarcativo, o passado, o presente e o futuro. Analisa toda a obra da Criação, em toda a sua variedade e esplendor. Vê a revolta de Lúcifer e o proelium magnum ― a grande peleja ― na qual São Miguel precipita no inferno Satanás e os outros espíritos rebeldes.
Depois da prova dos Anjos, considera a prova dos homens. Pondera o pecado de adão e Eva, com todas as suas conseqüências: a ruptura da aliança entre o Criador e a criatura, a necessidade da redenção do gênero humano. A desobediência ofendera a Deus em sua majestade infinita. Era preciso que o resgate fosse feito por quem tivesse mérito igualmente infinito. Eis aí a divina missão do Menino Jesus: redimir a humanidade, estabelecer a nova Aliança, em perfeita conformidade com os desígnios do Padre Eterno: “Eu desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6,38).
Qual novo Isaac, Jesus deseja ardente e plenamente obedecer (não foi o pecado de nossos primeiros pais precisamente a desobediência?). Resoluto e amoroso, assume o holocausto, apesar da dolorosa antevisão da pergunta que Lhe poderia aflorar aos lábios no Horto das Oliveiras repetindo as palavras proféticas do salmista: “Quae utilitas in sanguine meo?” ― Que vantagem virá do meu sangue? (Sl 29,10).
Não obstante essas considerações, o Divino Infante quis manifestar aqui todo o seu comprazimento, toda a sua felicidade em estar no colo de sua Mãe Santíssima, como a indicar a necessidade de recorrer a Ela em todas as borrascas para seguir “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
Por sua atitude, o Menino Deus parece dizer a cada um: “Se queres algo de Mim, pede-o por meio de minha Mãe e serás atendido”. O quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano bem poderia estar aureolado com as palavras “Mediação Universal de Maria”, pois o próprio Deus humanado quis encontrar proteção e amparo nos braços virginais de sua Mãe Santíssima.
O Menino pressiona levemente sua face contra o rosto de sua Mãe, e dEla recebe inefável manifestação de afeto, veneração e ternura, representada com especial acerto pelo grau de inclinação de ambas as cabeças, pelo modo como se olham.
Oh! Mistérios desta união, que fizeram exclamar a São Bernardo: “Maravilha-te com estas duas coisas e considera qual é a causa de maior admiração: se a benegníssima mercê do Filho ou a excelentíssima dignidade de tal Mãe. De ambos os lados está o pasmo, de ambos o prodígio. Que Deus obedeça a uma Mulher, é humildade sem igual, e que uma Mulher tenha autoridade para mandar em Deus, é excelência sem igual”[1].
Seria intenção do artista simbolizar a grandeza e profundidade da misteriosa união entre mãe e filho ― união arquetípica neles, Maria e Jesus ― pintando as faces tão juntas? Ao analisar os traços fisionômicos da Senhora do Bom Conselho ― o rosado da face, a configuração retilínea do nariz, a inclinação do pescoço, a cor dos cabelos tendente ao dourado, o arqueado das sobrancelhas ― percebe-se que ela é a Mãe e um Filho que fisicamente muito se Lhe assemelha.
Então, por que pintar tão juntos Maria e Jesus Menino? É porque o Filho é o próprio Criado da Excelsa Mãe. E a Mãe ― a mais perfeita das criaturas ― levou nas suas entranhas virginais o Divino Infante.
A Mãe, em altíssimo ato de adoração ao Filho, procurando como que adivinhar o que se passa em seu interior, considera ao mesmo tempo o fiel que a seus pés se ajoelha e, como Medianeira de todas as graças, acolhe sua prece e a apresenta a Deus Nosso Senhor.
Jamais teve alguém em seus braços tesouro de igual valor: infinito...! Entretanto, quem foi mais desejosa do que Nossa Senhora de atrair outros para compartilharem se seu tesouro?
É infinito o caleidoscópio de paradoxos que a consideração do relacionamento entre Nossa Senhora e seu Divino Filho, nesse afresco, sugere.
Há nesta união de Mãe e Filho uma intimidade e uma profundidade que surpreende e atrai. A união de alma, refletida no olhar que um e outro trocam entre si, gera em ambos uma tranqüilidade e uma imobilidade no afeto que lhes parece fazer sentir a bem-aventurada delícia deste mútuo entendimento, deste mútuo estar juntos!
Mas, ao mesmo tempo, este profundo, calmo, sério e íntimo olhar não é excludente. O fiel sente-se atraído a entrar no aconchego e na serenidade desse olhar. Mãe e Filho se dispõem a receber com bondade o fiel devoto à procura de socorro, misericórdia ou amparo. O aconchego sacral que ambas as fisionomias irradiam faz com que o fiel se sinta entendido e amado nos aspectos mais nobre e elevados de sua alma.
Leitor, abandona por um momento o texto e contempla uma vez mais ― e agora detidamente ― a foto do afresco, e deixa-te penetrar pela celestial atmosfera que Mãe e Filho criam. Por certo perceberás que, para além de suas qualidades pictóricas e artísticas, dessas duas fisionomias como que se evolam certas graças de presença de Nossa Senhora e do Menino Jesus, às quais bem poucos conseguem resistir. Sentirás que graças sensíveis batem à porta de tua alma, ou já adentram, trazendo consigo uma paz repousante e um repouso pacificador. Ora é a fisionomia da Mãe, era o olhar do Filho, ora o afresco no seu conjunto que te dará ânimo em meio às situações difíceis, que te consolará durante os sofrimentos, que te acalmará nas aflições, que te dará confiança nas angústias, coragem na hora de avançar, prudência ao ter que recuar; que, por fim, fará descer do Céu o milagre até ti, quando todos os recursos humanos se tiverem esgotado.
Venerando a sagrada efígie, vêm-nos à mente as palavras de Santo Afonso de Ligório, grande devoto da Mãe do Bom Conselho, habituado a sempre trabalhar tendo diante de si, sobre a mesa, uma estampa da Virgem de Genazzano:
“Augusta Soberana, do oceano imenso de vossa beleza derivam rios de beleza e de graça para todas as criaturas. É imitando o ouro de vossos cabelos [...] que o mar aprendeu a irisar tão esplendidamente suas vagas. A inalterável serenidade de vossa fronte, a calma e a paz que reinam em vossa face, ensinaram às nossas fontes transparentes a permanecerem firmes e tranqüilas em seus profundos mananciais. Para fazer brilhar com mais luz suas linhas radiosas, para matizar suas várias cores, para arquear-se com mais graça, o arco-íris se esforça por imitar a imagem formosa de vossa pessoa. A brilhante estrela da manhã e a da tarde são centelhas de vossos olhos. [...] O leite mais doce, o mel mais precioso procedem de vossa boca. O jasmim odorífero e a rosa mais perfumada de Damasco tomaram seus doces perfumes de vosso hálito. Em uma palavra, ó minha Rainha, toda beleza criada é uma sombra e imagem de vossa beleza. O Céu e a Terra se põem a vossos pés; são tão pequenos e Vós sois tão grande, que os enriqueceis, tocando-os. A estrela de prata se estima feliz por servir-vos de escabelo e a irradiação do Sol se torna mais resplandecente quando vos envolve em seus raios, como em um manto. Oh belo Céu, Céu puro e sereno, que haveis encerrado em Vós a imensidade dAquele que o universo adora sem poder contê-Lo!” [2].
Múltiplos e poderosos são os milagres realizados por meio desse celestial afresco da Mãe do Bom Conselho, testemunhados por santos, papas, católicos de todas as condições e mesmo incrédulos, que poderás ler nas páginas a seguir. Fortaleça-se assim tua fé. Beneficia-te dessas graças que são derramdaas com maternal abundância, com magnificência de rainha, sobre todos aqueles que, piedosa e confiantemente, sabem pronunciar as excelsas palavras: “Ó Mãe do Bom Conselho, rogai por nós!”.
[1] SÃO BERNARDO, Obras Completas. Vol. I, p.190. Madrid: B.A.C., 1953.
[2] Apud: ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. Pp. 205-206. São Paulo: Edições Paulinas, 1960.